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Em terra de cego, que tamanho deve ser a TV?

Como já comentei neste outro artigo, estou morando sozinho novamente desde janeiro. As coisas vão se ajeitando, seja por costume, imposição, esforço ou paciência. O meu apartamento, que tem alguns sérios problemas, não vai se resolver porque a dona dele não está muito disposta a gastar, o que me faz conviver com algumas coisas estranhas.

Uma delas são as partes do piso que estão completamente estragadas. Por enquanto são apenas falhas no piso e não está tão ruim assim porque coloquei tapetes nas partes mais críticas que resolve por hora. Mas imagina se um dia eu tiver que mandar os tapetes para serem lavados e as falhas do piso resolvem fazer um protesto através de uma petição para poderem tornar-se buracos? Eu vou derrubar algo no chão, o cachorro vai vir correndo, dar um carrinho e lá se vai pro apartamento do vizinho debaixo. E, lá de baixo, vai vir os gritos do vizinho, que vai usar a vassoura não para bater no teto, mas sim como dardo de arremesso pelos buracos do meu piso. Então terei que me armar também, jogar a louça suja contra ele. Ele escolheu armas de limpeza, mas na verdade querendo jogar sujo, devolvo na mesma moeda. E no meio, os buracos se arrependendo da decisão estúpida que foi começar aquele protesto.

Enquanto os problemas no piso não são inimigos de ninguém, me vem a cabeça que com certeza eles seriam amigos da minha mãe. Eu estava sentado aqui no computador, descalço. Quando, ao me levantar, uma farpa de uma das tábuas do piso entrou no meu pé. Desde aquele dia eu nunca mais andei descalço só de meia. Minha mãe teria dado um abraço no piso por ele conseguir ter feito esse acordo de cavalheiros comigo.

Como eu ia dizendo, vou ajeitando o que dá por aqui. Já tenho uma decoração básica em cima da mesa e móveis bem bacanas. Mas ao receber visitas, me veio a dúvida: será que eu deveria ter uma TV?

Não é que cego não assista TV. Eu não assisto. É diferente. E sim, é assistir, não vamos ficar trocando o verbo “ouvir TV”, isso é muito babaca. Eu não comprei uma TV porque os filmes que assisto na Netflix da para ser no computador mesmo, então isso já me basta. Mas recebo visitas e com uma TV em casa, acho que a estadia delas seria melhor.

Então me decidi por comprar uma TV. Não precisa ser hoje, semana que vem ou ainda esse ano. Vai ser quando eu responder a questão que é o título desse post.

Se eu comprar uma TV pequena, que é a coisa financeiramente lógica a se fazer, estarei prejudicando as pessoas que enxergam. Se comprar uma grande, estarei gastando mais e possivelmente agradando mais as visitas.

Acho que uma maneira de analisar essa situação é pensar como o mundo decide as coisas quando eu estou do lado da visita. O cinema não me deixa pagar meia, e cada vez mais o preço tem aumentado porque a tela fica maior ou tem 3D. OK, através dessa análise eu deveria comprar uma TV de 14 polegadas, daquelas de tubo que você roda o pininho pra trocar de canal. Não preciso dizer que minha casa, com uma TV dessas, pareceria um recanto de hipsters.

Se fizermos algo completamente inverso e eu comprar uma de, 40 polegadas, por exemplo, vai ser tipo o meu atestado da síndrome da esteira elétrica. Se você não sabe o que é a síndrome da esteira elétrica, é aquela sensação não muito agradável que começa a tomar conta do seu ser quando seus pais dizem que vão comprar uma esteira elétrica e que, se concretiza de fato quando eles compram uma. No começo todo mundo corre, e à medida que o tempo passa, ninguém mais aguenta aquela porcaria. Até que chega o ponto que querem guardá-la em algum lugar e sobra o seu quarto. No final de dois meses, você está dormindo no sofá porque a esteira elétrica precisa ficar no seu quarto para não atrapalhar ninguém. Em resumo, é algo caro, grande e que ninguém usa. A síndrome é fatal.

Enquanto o tempo passa e eu debato aqui com meu cachorro na esperança que ele venha com uma resposta boa, a TV aguarda lá na loja. Eu posso garantir que ele sugeriu, em uma dessas conversas, pegar uma de tamanho médio, mas logo repostei dizendo: o que é médio pra você?

Quer saber, acho que vou comprar só um home theater mesmo.



LUCAS RADAELLI é natural de Curitiba (PR). Cego desde nascença do olho esquerdo e, desde os 4 anos, do direito também. Estuda ciências da computação na Alemanha. Lucas se define como deficiente visual, nerd, leitor compulsivo e projeto de escritor que gosta de opinar sobre coisas relacionadas a esses e outros assuntos usando o seu ponto de vista, que, segundo seu bom humor, aparentemente é nulo. Blog: lucasradaelli.com

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