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Sobrevivendo entre faculdade, lasanhas e salsichas

Oi, eu me chamo Lucas, sou estudante, cego e estou fazendo um intercâmbio na Alemanha.

Eu sempre tento por na cabeça que quero ter uma regularidade na escrita, mas é algo que eu realmente não consigo fazer. Quando as coisas são muito banais ou muito vagas, eu simplesmente apago tudo que escrevi e deixo pra lá. Dizem que Douglas Adams foi trancado uma vez em um quarto para continuar escrevendo O Guia do Mochileiro das Galáxias. Vou tentar o método um dia desses para ver se me ajuda.

Meus amigos têm me cobrado por mais textos. A pergunta superficial típica: “E aí, quando sai um texto novo?” - Mas que, no fundo, todos sabem o que eles realmente querem dizer:

“- E aí, já explodiu a cozinha? Já foi atropelado? Quase matou alguém?”

A resposta para todas essas perguntas ocultas é ‘não’.

Tudo tem sido bem mais tranquilo agora que as aulas começaram e o ritmo das coisas passou a ser um pouco mais estável. Minha rotina se resume a ir para as aulas da faculdade, ir para as aulas de alemão, mercado, almoçar na Mensa e sair às vezes no final de semana com o pessoal.

Em relação aos materiais utilizados pelos professores, a universidade já começou a prepará-los para mim. Eles pegam os livros e passam para o formato digital: fórmulas matemáticas, gráficos e figuras, produzem essas coisas de uma forma acessível. No caso das figuras, eles sempre as descrevem. Os gráficos são reproduzidos em alto relevo com uma impressora especial que eles têm por aqui. Já com as fórmulas matemáticas, escrevem tudo em LaTeX, que é uma linguagem de demarcação utilizada para escrever documentos científicos.

Infelizmente todo esse processo demora um pouco para ser feito. Não só aqui, como em todo lugar, isso sempre demorou. Então estou como eu sempre estive no início de todo curso, meio perdido sem meus materiais, estudando quase nada até que as coisas cheguem às minhas mãos e eu possa começar a pegar pesado no que diz respeito ao ritmo de estudo.

No geral, acredito que isso não vai ser um grande problema. O que me fez achar que eu não estava no nível da aula foi um texto que o professor passou, com 6 perguntas. Das 6 perguntas, consegui responder apenas 3 e achei o resultado ruim. Mas no final das contas, ninguém da turma conseguiu responder mais que 3 perguntas... De resto, a parte de gramática e outros exercícios, tenho lidado sem maiores problemas.

Sem nenhuma conexão com o assunto anterior, gostaria de contar rapidamente como preparei uma lasanha esses dias. Eu nunca tinha usado o forno sozinho até então. Notei, de imediato, dois problemas:

1. Saber quando a comida estaria pronta, afinal, todos sabem que não dá para confiar no tempo que vem na embalagem;

2. Retirar a embalagem lá de dentro sem me queimar.

Bolei uma técnica que serviu super bem.

Eu coloquei a lasanha lá dentro e, 30 minutos depois, fui verificar se estava boa. Coloquei uma luva para não queimar minha mão e segurei um garfo. Com o garfo fui tateando dentro do forno até encontrar a lasanha, a espetei até o fundo para verificar o sabor. Estava ruim então deixei mais alguns minutos.

Dez minutos mais tarde fiz a mesma coisa.

Usei o garfo como uma espécie de bengala, tateando a parte de cima do forno, de baixo, os lados, para ter uma noção do espaço e não encostar o meu pulso, que não estava coberto pela luva, e desse modo me manter sem queimaduras.

Encontrei a lasanha, provei, estava boa. Troquei o garfo para a mão que estava sem luva e puxei a lasanha com a mão direita, que era a que estava protegida pela luva. Flawless victory!

Outro dia também resolvi fazer umas salsichas. Coloquei a água para ferver, pela primeira vez na vida. Nessa, admito, um amigo me disse quando a água estava fervendo, o que foi uma boa, porque eu prestei atenção em todos os estágios da água, para saber as diferenças no som que ela faz até estar realmente fervendo. Joguei as 3 salsichas lá dentro e esperei uns 4 minutos. Depois retirei a panela e perdi algum tempo tentando pescar as salsichas lá de dentro com um garfo, mas deu certo. Depois só joguei a água quente na pia e comi feliz.

Acho que com o tempo vou melhorando minhas habilidades culinárias. Pra quem saiu, completamente, do zero, dá para dizer que estou indo bem. Minha próxima meta é aprender a fazer um macarrão com algum molho qualquer.

 

 

LUCAS RADAELLI tem 21 anos, é natural de Curitiba (PR). Cego desde nascença do olho esquerdo e, desde os 4 anos, do direito também. Estuda ciências da computação na Alemanha. Lucas se define como deficiente visual, nerd, leitor compulsivo e projeto de escritor que gosta de opinar sobre coisas relacionadas a esses e outros assuntos usando o seu ponto de vista, que, segundo seu bom humor, aparentemente é nulo. Blog: lucasradaelli.com

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