Ver o médico Sanduk Ruit trabalhar é como observar milagres.
Ele devolveu a visão a mais de 100 mil pessoas, talvez mais do que qualquer médico na história, e os pacientes não param de chegar. Eles vêm de vilarejos remotos, através de trilhas nas montanhas, cambaleando e tateando, esperando passar pelo bisturi para voltar a ver seus familiares.
Um dia depois da cirurgia para remover a catarata, ele retira as ataduras – e veja só! Eles conseguem enxergar claramente. Primeiro com hesitação, depois com júbilo, eles olham em volta. Poucas horas depois, voltam andando para casa, irradiando uma felicidade indescritível.
O médico oftalmologista nepalês Sanduk Ruit talvez seja o campeão mundial na guerra contra a cegueira. Cerca de 39 milhões de pessoas em todo o mundo são cegas – cerca de metade por causa da catarata – e outros 246 milhões têm a visão deficiente, segundo a Organização Mundial de Saúde.
Se você é uma pessoa cega num país pobre, então normalmente não tem esperança. Mas Ruit é pioneiro numa técnica de microcirurgia de catarata simples que custa apenas US$ 25 (R$ 94) por paciente e é quase sempre bem-sucedida. Na verdade, seu "método Nepal" agora é ensinado nas faculdades de medicina dos EUA.
Todos os anos ofereço uma viagem a um estudante, que vai comigo a algum país em desenvolvimento para cobrir temas pouco conhecidos. Austin Meyer, aluno da Universidade de Stanford, e eu viajamos para Hetauda, no sul do Nepal, para assistir a Ruit fazer sua mágica em 102 homens e mulheres.
Uma das pacientes era Thuli Maya Thing, uma mulher de 50 anos que diz que tem dificuldades para cuidar dos filhos desde que perdeu a visão devido à catarata nos últimos anos. Por causa da cegueira e da incapacidade de trabalhar, a família às vezes passa fome.
"Não posso ir buscar lenha nem água", Thuli Maya me disse. "Não posso fazer comida. Eu vivo caindo. Já me queimei no fogo."
Então Thuli Maya estava esperando fora do hospital de olhos que Ruit montou aqui, nervosa, mas também ansiosa pelo resultado. "Vou conseguir ver meus filhos e meu marido de novo --é isso que eu mais quero", disse ela.
Ela foi levada à sala de operação, e um anestésico local foi injetado em seus olhos. Depois de abrir o olho esquerdo com um espéculo de pálpebras, Ruit observou através de um microscópio enquanto fazia uma pequena incisão no globo ocular e, em seguida, puxou a catarata – e colocou-o na palma da minha mão. Era dura e amarelada, talvez com oito milímetros de diâmetro, um pequeno disco opaco que devastou a vida de Thuli Maya.
Ruit inseriu uma lente minúscula no olho e concluiu a cirurgia. O processo levou apenas cinco minutos. Em seguida, ele repetiu o procedimento no olho direito de Thuli Maya, confiante de que ela voltaria a enxergar.
"Aqui os resultados são muito claros", disse Ruit enquanto fazia um curativo no olho da paciente. "É diferente de qualquer outra intervenção médica."
Nos Estados Unidos, a cirurgia da catarata normalmente é realizada com máquinas complexas. Mas elas são inacessíveis nos países pobres, de modo que Ruit aperfeiçoou o trabalho de outros (entre eles do Aravind Eye Care System na Índia, uma instituição excepcional que realizou 280 mil cirurgias de catarata no ano passado) para inovar e refinar a microcirurgia de pequena incisão para remoção de catarata sem sutura.
No início, os céticos denunciaram e ridicularizaram suas inovações. Mas então o "American Journal of Ophthalmology" publicou um estudo sobre um ensaio clínico aleatório revelando que a técnica de Ruit tinha exatamente o mesmo resultado (98% de sucesso num prazo de seis meses de acompanhamento) que as máquinas ocidentais. A diferença era que o método de Ruit era muito mais barato e rápido.
"Os resultados são fantásticos", disse o Dr. Geoffrey Tabin, oftalmologista do Moran Eye Center da Universidade de Utah. Tabin aprendeu a técnica de Ruit e também esteve em Hetauda, removendo cataratas ao lado de Ruit, e diz que os resultados obtidos utilizando esta técnica na zona rural do Nepal são tão bons quanto os de seus pacientes em Salt Lake City, que pagam por serviços de primeira classe e desfrutam de quase US$ 1 milhão em equipamentos médicos de última geração.
Tabin disse que, quando não é possível utilizar as máquinas para a cirurgia de catarata nos Estados Unidos (se, por exemplo, a catarata é grande demais), a técnica de cirurgia manual padrão norte-americana é inferior à de Ruit.
Tabin, um alpinista que se interessou pelo Nepal após subir o Monte Everest, lidera o Projeto de Catarata do Himalaia, uma instituição de caridade norte-americana que apoia o trabalho de Ruit e leva suas técnicas a outros países, como a Etiópia e Gana. A batalha contra a cegueira mundial é agora um projeto conjunto de Ruit e Tabin, e eles batizaram seu site de CureBlindness.org com otimismo.
"Ruit foi o primeiro médico a colocar lentes em pessoas pobres no mundo em desenvolvimento", disse Tabin. "Ninguém mais devolveu a visão a tanta gente."
Pelas contas de Ruit, que outros acreditam ser factíveis, ele realizou 120 mil cirurgias de catarata, a maioria em apenas um olho dos pacientes. Ruit desenvolveu não só uma técnica cirúrgica, mas todo um sistema de medicina oftalmológica. Ele fundou o Instituto de Oftalmologia Tilganga, que inclui hospitais, clínicas comunitárias, programas de treinamento e um banco de olhos, cobrando dos pacientes mais ricos para apoiar os mais pobres como Thuli Maya. O Tilganga faz cirurgias de olhos em 30 mil pacientes anualmente – metade delas é paga, a outra metade é gratuita.
O Tilganga também fabrica 450 mil lentes por ano para uso em cirurgia de catarata, mantendo os custos em US$ 3 (R$ 11) por lente em comparação com US$ 200 (R$ 750) no Ocidente. A qualidade parece excelente, e elas são exportadas para 50 países, inclusive na Europa. E para aqueles que perdem um olho, a Tilganga faz próteses realistas que custam US$ 3, em comparação com US$ 150 (R$ 565) por uma prótese ocular importada.
Este sistema impressiona especialistas do mundo inteiro. O médico David F. Chang, ex-presidente da Sociedade Americana de Catarata e Cirurgia Refrativa, descreve Ruit como "um dos oftalmologistas mais importantes do mundo".
Ruit, 61 anos, que cresceu numa região remota do nordeste do Nepal e estudou medicina na Índia, está agora levando seu modelo para outros países de baixa renda.
"Se conseguimos fazer isso no Nepal, pode se fazer em qualquer lugar do mundo", disse ele.
Uma motivo para ter a visão como tema da viagem: a cegueira é ao mesmo tempo algo extremamente debilitante e normalmente fácil de curar ou prevenir. Cápsulas de vitamina A custam 7 centavos de real e podem impedir 250 mil casos de cegueira infantil ou mais por ano (metade dessas crianças morrem um ano depois de ficarem cegas). O tracoma, que leva à cegueira, pode ser evitado com mais higiene e antibióticos doados. A oncocerose (ou cegueira dos rios) está acabando, em parte por causa do trabalho heroico de Jimmy Carter e de remédios doados pela Merck. E a catarata - bem, vamos voltar a Thuli Maya.
Um dia depois da cirurgia, ela e os outros 101 pacientes estavam prontos para tirar suas ataduras. Ruit tirou com cuidado os tapa-olhos de Thuli Maya, e ela piscou algumas vezes - e enxergou o que estava em volta pela primeira vez em anos. Ela sorriu enquanto sua visão era testada; o resultado foi 20/20.
"Antes eu me arrastava por aí", disse Thuli Maya em meio a sorrisos", agora posso levantar e andar."
É verdade que ajudar as pessoas é sempre mais difícil do que parece. Mas às vezes é quase milagroso: uma cirurgia de US$ 25 (R$ 94), US$ 50 (R$ 188) para ambos os olhos, para devolver a visão a uma pessoa. "Isto tem um impacto tão grande, por tão pouco dinheiro", disse Ruit enquanto observava seus pacientes se acostumando a voltar a enxergar.
Enquanto isso, Thuli Maya dançava.
(Fonte: Bol Notícias, via Nicholas Kristof – com tradução de Eloise De Vylder)