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O impacto da espiritualidade na saúde física

A espiritualidade e sua relação com a saúde tem se tornado claro paradigma a ser estabelecido na prática médica diáriaA espiritualidade poderia ser definida como uma propensão humana a buscar significado para a vida por meio de conceitos que transcendem o tangível: um sentido de conexão com algo maior que si próprio, que pode ou não incluir uma participação religiosa formal. A espiritualidade e sua relação com a saúde tem se tornado claro paradigma a ser estabelecido na prática médica diária. A doença permanece como entidade de impacto amplo sobre aspectos de abordagem desde a fisiopatologia básica até sua complexa relação social, psíquica e econômica; é fundamental reconhecer que esses diversos aspectos estão correlacionados em múltipla interação.

A espiritualidade, a despeito de seu freqüente imbricar com a religião, historicamente tem sido ponto de satisfação e conforto para momentos diversos da vida, bem como motivo de discórdia, fanatismo e violentos confrontos.

Convém definir neste cenário que a religiosidade e a espiritualidade, apesar de relacionadas, não são claramente descritas como sinônimos. A religiosidade envolve sistematização de culto e doutrina compartilhados por um grupo. A espiritualidade está afeita a questões sobre o significado e o propósito da vida, com a crença em aspectos espiritualistas para justificar sua existência e significados.

A comprovação da utilização de aspectos distintos da espiritualidade e da religiosidade como suporte, terapêutica e determinação de desfechos positivos em diversas doenças tem constituído emblemático desafio para a ciência médica. Em se considerando as limitações éticas e de método, demonstra-se o quão dificultoso se faz mensurar e quantificar o impacto de experiências religiosas e espirituais pelos métodos científicos tradicionais.

Em recente levantamento de dados no site de pesquisa para publicações médicas indexadas de maior impacto clínico (sistema Medline) e utilizando as palavras-chave “religion and health”, foram encontrados cerca de 35.828 publicações entre 1982 e 2007; em se modificando para “spirituality”, foram encontrados 4.434 artigos no mesmo período. Nesse contexto, discernir os melhores desenhos de estudo e encontrar as melhores evidências que suportem a associação entre espiritualidade e saúde constitui novo, intrigante e profundo paradigma para a medicina moderna.

Certamente, além de aspectos éticos e pessoais que podem promover vieses de análise e interpretação, os estudos envolvendo aspectos de religiosidade e espiritua­lidade merecem, como todo e qualquer outro objeto de investigação, a aplicação sistemática e rigorosa do método científico para sua validação, independentemente de posturas preconcebidas a favor ou contra eventuais resultados. Nesse contexto, há que se observar alguns freqüentes vieses de apuração, desenho de estudo ou interpretação:

• Estudos ou cenários que não dispõem de adequado controle de potenciais fatores de confusão básicos, tais como idade, sexo e aspectos de etnia;
• Estudo de desenho cross-sectional ou transversal, considerado inadequado para determinar uma seqüência temporal de eventos, o que em geral é fundamental para uma adequada avaliação do nexo causal em estudos;
• Inadequada avaliação da mensuração da espiritua­lidade e/ou saúde física;
• Sem análises estatísticas apropriadas que impedem a adequada correlação entre achados;
• Relatos precoces em um mesmo estudo de coorte que apresenta distintos resultados com o passar do tempo em seu seguimento.

Cerca de 11 estudos independentes e longitudinais, avaliando a relação entre a prática de atividades religiosas e o impacto sobre a mortalidade, foram descritos até 2003, dos quais apenas dois envolveram pacientes não saudáveis. Sete desses estudos obtiveram resultados ajustados para dados de demografia, aspectos socioeconômicos, sexo, fatores de risco para outras doenças e outros potenciais fatores de confusão. Em seis estudos (66,6%), verificou-se a relação estabelecida, após ajuste, de aproximadamente, em média, 30% de redução de mortalidade bruta e até 25% após ajustes para fatores de risco conhecidos. A maioria desses estudos é de base populacional. 

Em se avaliando a relação entre espiritualidade e saúde mental, as controvérsias e evidências científicas se intensificam ainda mais.

Em revisão narrativa de cerca de 850 artigos, publicados ao longo do século XX, incluindo artigos publicados após 2000 e a descrição de pesquisas conduzidas no Brasil, Moreira-Almeida et al. (2006) verificaram que maiores níveis de envolvimento religioso estão associados positivamente a indicadores de bem-estar psicológico (satisfação com a vida, felicidade, afetos positivo e moral mais elevados) e a menos depressão, pensamentos e comportamentos suicidas, uso/abuso de álcool/drogas. Esse impacto positivo sugere ser mais relevante entre pessoas sob estresse (idosos e aqueles com deficiências e doenças clínicas), considerando que há indícios suficientes disponíveis para se afirmar que o envolvimento religioso habitualmente está associado à melhor saúde mental. Ressalta-se, porém, a necessidade de melhor compreensão dos fatores mediadores dessa associação e sua transposição à prática clínica diária.

A influência da religiosidade/espiritualidade tem demonstrado potencial impacto sobre a saúde física, definindo-se como possível fator de prevenção ao desenvolvimento de doenças, na população previamente sadia, e eventual redução de óbito ou impacto de diversas doenças. As evidências têm-se direcionado de forma mais robusta e consistente para o cenário de prevenção; estudos independentes, em sua maioria de grande número de voluntários e representativos da população, determinaram que a prática regular de atividades religiosas tem reduzido o risco de óbito em cerca de 30% e, após ajustes para fatores de confusão, em até 25%.

Estudos mecanísticos tentando avaliar qual a relação entre redução de mortalidade e práticas religiosas têm enfatizado o possível incentivo que essas práticas oferecem a hábitos de vida saudável, suporte social, menores taxas de estresse e depressão. Atitudes assistenciais voluntárias ou participação em congregações têm demonstrado associação com redução de mortalidade, provendo suporte e significado de vida, emotividade de aspecto positivo ou ausência de emoções consideradas de aspecto negativo; certamente existem dúvidas sobre se esses aspectos são mais relevantes em grupos específicos, tais como no de sexo feminino, com menor suporte socioeconômico e menores níveis de educação.

Também em contraste com tais evidências, não há clara correlação entre o grau de profundidade ou envolvimento em práticas religiosas e a proteção a eventos, exceto por análises de subgrupos em curva post hoc.
O desenvolvimento de conceituações de virtudes religiosas, perdão, altruísmo, esperança, prece e voluntarismo, apesar de soar operacional ou métrico, pode definir a nova direção para conduzir estudos de avaliação de espiritualidade e religiosidade.

Na área específica de intervenções terapêuticas propriamente dita, a prece intercessória ocupou espaço de investigação relevante a despeito de seus dúbios resultados e controvérsias; apesar do elevado número de publicações em revistas indexadas sobre o assunto, ainda parece pouco claro qual o método mais adequado a esse tipo de avaliação e mesmo a validade de seus resultados ou continuidade de sua investigação; por certo, não há ainda prova sólida final para sua validade ou depreciação.

Há tendência à correlação entre a religiosidade/espiritualidade e a saúde física, mas por ainda não ser adequadamente robusto em suas provas e correlações, este constitui, sem dúvida, em amplo e promissor campo de investigação. Nesse cenário, a necessidade de maior investigação da relação entre saúde física e espiritualidade, baseada principalmente no impacto de intervenções de base religiosa sobre a saúde, faz-se ainda relevante para a comprovação desse paradigma.
A comprovação definitiva de efeitos dessas intervenções poderá, em futuro próximo, permitir sua transposição à prática clínica.

A utilização de adequado método científico e emprego dos princípios da medicina baseada em evidências, para avaliação crítica da literatura e a condução de estudos, pode certamente prover o caminho que moverá as hipóteses do promissor ao comprovado e certamente apenas essas confirmações poderão consolidar o paradigma suficiente para a modificação da percepção e conduta da sociedade atual ante a correlação entre espiritualidade e saúde.


Autores:

Hélio Penna Guimarães, Médico-assistente da Divisão de Pesquisa do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia; e Álvaro Avezum, Médico diretor da Divisão de Pesquisa do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.



(Fonte: Revista de )

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